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FUNDOS ABUTRES: O QUE SÃO E QUEM ESTÁ POR TRÁS?

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charge sobre fundos abutres
Charge: Carlos Latuff

Os abutres são aves facilmente reconhecidas pela sua cor e pelo seu característico hábito de caça. Muito paciente, o abutre geralmente sobrevoa sua presa até que ela se apresente indefesa ou morta, para, então, alimentar-se de sua fragilidade ou da carcaça deixada por outros animais.

O termo “fundos abutres” serve para descrever uma entidade comercial privada que compra ou adquire um título de dívida de uma empresa que não foi pago, ou seja, de uma empresa que está à beira da falência. As consequências da ação desses fundos em uma economia podem ser gigantescas, tendo em vista que envolvem a movimentação de milhões, e até bilhões, em dinheiro.

Neste post, vamos entender exatamente como funcionam os fundos abutres, de que forma lucram e o caso de um país da América Latina em que os fundos abutres atuaram.

COMO ATUAM OS FUNDOS ABUTRES?

Imaginemos uma grande empresa que esteja com enormes dívidas e à beira da falência. Esse é o cenário perfeito para a atuação de um grupo de investidores que utilizará os fundos abutres com o objetivo de receberem um alto retorno financeiro.

Os investidores dos fundos abutres compram ações ou as dívidas das empresas no momento em que elas passam por uma crise, para depois lucrarem com os juros que as empresas terão que pagar a eles. Esses títulos são comprados neste momento porque os respectivos títulos estão muito abaixo do seu preço integral, ou seja, estão muito mais baratos. Os investidores apostam na recuperação ou, na renovação destas empresas, que pode acontecer antes ou após o processo de falência, podendo gerar altos retornos aos investidores que souberem gerir, corretamente, as suas aplicações.

Normalmente, quem participa desses fundos são investidores institucionais como empresas. É o que acontece quando se ouve falar, por exemplo, que uma empresa maior comprou outra empresa de menor porte, mas do mesmo ramo de atuação.

OS TRÊS TIPOS DE ATUAÇÃO DOS FUNDOS ABUTRES:

Existem três formas de atuação deste fundo. Uma das opções é o fundo abutre assumir as dívidas da empresa ou da dívida de um país e brigar por sua liquidação. Isto é, os investidores pagam a dívida, mas negociam uma taxa de juros para poderem lucrar, e então entram com uma ação judicial para que a empresa ou o país pague aos investidores o valor da dívida, o que exige uma disputa entre os investidores e os devedores. Dessa forma, os investidores do fundo abutre tentaram desenvolver um processo para que os credores  paguem  essas dívidas com os respectivos juros incluídos.

A segunda forma de atuação ocorre quando o fundo compra a maioria da empresa – isto é, tem mais de 50% das ações -, e paga ou renegocia as dívidas mais urgentes. Depois de deixar a empresa com as contas em dia, o fundo vende a empresa a um empresário do mesmo ramo por um valor bem maior que o pago anteriormente, já que a situação financeira dela foi controlada.

A terceira e última forma de atuação é a menos comum: quando os empresários do fundo abutre fazem uma salvação completa da empresa, ou seja, quitam todas as suas dívidas e assumem a gestão da empresa, tentando reconstruí-la economicamente. A ideia é lucrar com as operações da empresa, e mais tarde, vendê-la por um preço ainda maior ou permanecer com a empresa.

FUNDOS ABUTRES E AS DÍVIDAS SOBERANAS

Dívida soberana é uma dívida que é assumida ou garantida por um Estado ou pelo seu banco central. A dívida soberana pode ser interna ou externa. Interna quando os credores são domiciliares no país, ou seja, quando os compradores da dívida são bancos ou empresas nacionais; e externa, quando as somas dos débitos do país são contraídas no exterior, seja por empresas privadas, estatais ou pelo próprio governo. Também no caso de dívida soberana externa ela pode ser:

  • bilateral: de um determinado país em relação com outro;
  • multilateral: de um país para com uma organização multilateral;
  • privada: em relação a determinada empresa nacional frente a outros, como governos ou empresas.

    Essa dívida ainda pode ser de curto, médio ou longo prazo (o último durando várias décadas), podendo ser constituída de créditos bancários, empréstimos de outros Estados ou de títulos emitidos pelo Tesouro Nacional do país devedor. Assim, esses títulos podem ser negociados no mercado internacional. Entenda melhor como atuam os fundos abutres nas dívidas soberanas no estudo abaixo sobre a Argentina.

Para entender melhor o próximo tópico, leia também: Crise na Argentina: o que está acontecendo com a economia do país?

ESTUDO DE CASO: OS FUNDOS ABUTRES E A CRISE DA ARGENTINA

Até o início dos anos 2000, a Argentina adotava um regime de câmbio fixo, no qual um peso custava um dólar. Esse tipo de câmbio era garantido pela constituição do país desde 1994. Pode parecer muito bom viver em um país assim, mas esse sistema possui seus problemas. O principal deles é que o governo precisa ter posse de grandes reservas internacionais em dólares para conseguir manter o preço de sua moeda nacional. Levando em consideração que o preço da moeda nacional frente à moeda americana é definido pela oferta e demanda, as reservas internacionais garantem ao banco central o poder de controlar a quantidade ofertada de moeda estrangeira no mercado. Além disso, os argentinos, por possuírem uma moeda mais forte, passaram a importar mais, enquanto os exportadores passaram a exportar menos, uma vez que os produtos argentinos se tornaram mais caros.

Para sustentar uma moeda valorizada, o governo da Argentina passou a contrair cada vez mais dívidas, internas e externas, e tornou-se extremamente dependente do capital especulativo. O capital especulativo é aquele apostado no mercado, ou seja, é uma aposta na valorização de ativos financeiros, como ações de empresas ou títulos de crédito que o governo emite. Pessoas ou empresas compram ações de empresas a um determinado valor, e vendem quando estas ações passam a ter mais valor, ou seja, depois que se valorizam devido ao crescimento da empresa.  Portanto, ele não passa pelo processo produtivo, isso significa que seus investimentos não geram empregos. Um exemplo de atuação do capital especulativo é o sobe e desce na Bolsa de Valores e nas cotações de câmbio em virtude de notícias políticas, como o crescimento de determinado candidato nas pesquisas eleitorais.

É como investir um valor em uma poupança, só que na modalidade de títulos de créditos rendem muito mais juros. A partir das vendas destes títulos o governo terá mais reservas em dinheiro para sustentar a sua moeda e deixá-la em paridade ao dólar.  

Somente no ano de 2001 a Argentina decidiu abandonar o regime de câmbio fixo e adotar o câmbio flutuante. O regime de câmbio flutuante é determinado pela oferta e demanda, ou simplesmente pelo quanto os compradores estão dispostos a pagar por ela. A oferta e demanda são determinadas pelo investimento estrangeiro, taxas de importação/exportação, inflação e outro fatores. A cotação do dólar é definida diariamente na interação entre demandantes e ofertantes.

Esse tipo de medida já vinha sendo adotado por outros países emergentes como o Brasil, que mudou seu regime cambial em Janeiro de 1999 no governo de Fernando Henrique Cardoso.  

Essa mudança no câmbio da Argentina desencadeou uma crise de grandes proporções no país. Em primeiro lugar, houve uma desvalorização abrupta do Peso, e a dívida da Argentina se tornou cara demais para ser paga. Quando a Argentina se vê sem reservas para continuar pagando os juros de sua dívida, ela é obrigada a declarar moratória, ou seja, suspender por certo tempo os pagamentos da dívida. Como maneira de retaliação por parte do mercado pela moratória, a Argentina foi excluída do sistema financeiro internacional, não podendo mais ter acesso ao crédito internacional.

Nos anos de 2005 e 2010, o governo propôs uma renegociação da dívida, com desconto de 65% do valor total, e 92% dos credores aceitaram a proposta. Entretanto, aqueles que decidiram não aceitar a oferta venderam seus títulos para investidores especializados em investimentos de risco, e estes passaram a ser chamados de fundos abutres.

Após a compra da dívida argentina, os compradores agiram de forma a obrigar o país a liquidar a dívida. Assim, em 2010, após a tentativa de confiscar uma embarcação de posse da marinha argentina como garantia de pagamento da dívida, os contratantes da dívida argentina abriram um processo contra o país no tribunal de Nova York. Essa escolha foi bastante sagaz, pois, uma vez que o fundo contratante é uma empresa privada estadunidense (e não o governo de outro país) a opção de abrir um processo no país do qual esses títulos foram comprados se torna possível e muito vantajoso, porque o caso seria julgado nas leis dos Estados Unidos, e não em um tribunal internacional.  

A diferença entre as duas situações é bem simples: além de obedecer às leis internas de outro país, a transação é tratada como uma troca simples de mercadoria, como comprar um carro:  se você paga corretamente, você fica com o carro; caso contrário, o carro é confiscado ou os juros da dívida que se formou são altíssimos. Se tratado em um tribunal internacional, onde os Estados Unidos representam os contratantes e a Argentina seu próprio governo, o caso é discutido em outra dimensão, mais vantajosa para ao país latino: é uma dívida de milhões de dólares que afeta a saúde econômica de todo a nação e, portanto, influencia a vida de milhões de pessoas. Além disso, entra a questão da soberania (governo autônomo dos países e não interferência de agentes privados ou outros Estados nesse país), que foi o argumento fundamental usado pela Argentina em sua defesa (mas descartado pelo tribunal de Nova York).

OS DOIS LADOS DOS FUNDOS ABUTRES:

Por um lado, os investidores que aplicam na forma de fundos abutres podem ter benefícios e ganhos. Isso porque, podem comprar ações das empresas à beira da falência por um preço muito baixo e, mais tarde, recuperar as empresas e vendê-las a um preço muito maior, obtendo assim muito lucro.

Por outro, os fundos abutres podem se apresentar como um risco, já que nada garante que depois de quitar os títulos de dívidas de uma empresa, os investidores farão ela crescer e gerar lucros novamente. Nessa hipótese, não conseguirão vendê-la a um outro grupo de empresários, contraindo prejuízos.

Mas qual a razão de tudo isso?

Na natureza, os abutres são conhecidos por se alimentar de restos de animais mortos ou mesmo, de animais que ainda não deram o último suspiro. A diferença entre os abutres (aves) dos abutres da economia é que as aves costumam se alimentar e, no fim da refeição, ficam saciados. Já na economia, os abutres “drenam” o que conseguirem e continuam “sugando” (capital) por vários anos, obtendo assim seu lucro.

Recapitulando: os fundos abutres são, basicamente, entidades comerciais privadas que compram títulos de dívida desvalorizados no mercado secundário, a um preço muito mais baixo que o do seu valor real. Na maioria dos casos, os compradores fogem de acordos para reestruturação com o Estado endividado e, por fim, exigem, pela via judicial, o pagamento total da dívida, incluindo embargos e outras penalidades.

Isso ocorre simplesmente pelo fato de tais entidades visam aumentar consideravelmente seus lucros, conforme os devedores saem ainda mais prejudicados econômica e socialmente. E um dos maiores problemas é que os países “em desenvolvimento” ficam cada vez mais fragilizados por não possuírem uma economia tão estável ou significativamente grande e tornam-se alvos vulneráveis e recorrentes dos fundos abutres. De todo modo, são práticas predatórias, onde esses fundos tiram proveito de situações de fragilidade imensa dos credores.

Referências: veja aonde encontramos as informações deste texto!

SCHMITT, Guilherme Berger. OS “ABUTRES” E OS “SOBERANOS”: O SURGIMENTO E O PAPEL DOS FUNDOS “ABUTRES” NO ÂMBITO DAS DÍVIDAS SOBERANAS. 2014. 128 f. Dissertação (Mestrado) – Curso de Direito, Universidade de Coimbra, Coimbra, 2014.

DÍVIDA soberana: definição, importância e rankings. Disponível em: . Acesso em: 29 out. 2018.

FIGO, Anderson. CONHEÇA AS FORMAS DE ATUAÇÃO DO FUNDO “ABUTRE”. 2013. Disponível em: . Acesso em: 26 out. 2018.

GIFFONI, Manuel. ENTENDA O CASO DOS FUNDOS ABUTRES. 2014. Disponível em:   . Acesso em: 28 out. 2018.

MARTINS, Catarina. DÍVIDA SOBERANA (DÍVIDA PÚBLICA). 2016. Disponível em: <http://knoow.net/cienceconempr/financas/divida-soberana-divida-publica/>. Acesso em 29 out. 2018.

SEABRA, Rafael. O QUE É CÂMBIO FLUTUANTE? Disponível em: . Acesso em: 15 jan. 2019.

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